quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Os dias aqui

Os dias aqui são longos, muito longos, mas ainda assim não sobra muito tempo para escrever e ir actualizando o blog, como havia prometido... Mas eu vou fazendo o possível, sempre que possível. :)
Os meus dias agora começam bem mais cedo. Tenho-me levantado às 05h00, com muito esforço admito, para fazer a chamada dos primeiros trabalhadores que vão para a nossa machamba (horta) logo às 05h30. São chamados um a um para se fazer a marcação de presenças - sim, porque aqui não há sistemas biométricos ou máquinas de ponto. E ainda bem! Papel e caneta e já está.
Os pastores e restantes trabalhadores da casa só chegam às 07h00 e até a essa hora vou adiantando os trabalhos para a Escolinha ou outras tarefas que tenha em mãos.
Desde que o P. Jacob, que é o responsável pela Missão do Marrere, foi de férias, fiquei com a responsabilidade de gerir os trabalhadores e a casa. Um grande desafio. Confesso que no início fiquei um pouco assustada, nem sequer conhecia a maioria dos trabalhadores! Mas agora, e vacani-vacani (que é como se diz pouco a pouco em macua, o dialecto local), vou-me sentindo mais à vontade e já reconheço a maioria das caras.   
Para além das machambas, na missão também há animais. E muitos: vacas, porcos, cabritos, ovelhas, galinhas, coelhos, patos, cães, gatos e... 2 burros! A Princesa e o Burro do Padre (é assim que o próprio P.Jacob lhe chama).
Um episódio giro que aconteceu um destes dias. Um dos porcos não parava de guinchar, era uma barulheira infernal. Pensei que estava para morrer, porque era aflitivo ouvi-lo. Resolvi ir ver o que se passava - sim, porque eu percebo imenso de pecuária... Tudo tranquilo, porco e porca dormitavam ao sol. Mais tarde, recomeçou o festim e eu já estava para ligar ao veterinário quando vejo o Benjamim e o Abacuque, que trabalham aqui na casa, a aproximarem-se e, entre risos, a tentarem explicar-me a origem do "mal". Pois que o problema do porco era... a porca. Parece que andava "aflito" mas que ela não queria saber... Problema resolvido. A natureza no seu melhor.

A Escolinha

Todos os dias, por volta das 07h30, vou para a Escolinha onde dou apoio aos monitores, a Lídia e o Elísio, e também estou com os meninos.
A Escolinha é relativamente recente, foi inaugurada há um ano. Neste momento, frequentam-na cerca de 35 crianças das 07h00 ao 12h00. Deveriam ser mais, mas a maioria dos pais da comunidade ainda não está sensibilizada para a importância do ensino pré-escolar e como é pago, e embora seja uma quantia simbólica, optam por não as inscrever. E é uma pena, porque é aqui que aprendem mais alguma coisa, além de lhes ser dado, todos os dias, um lanchinho reforçado: papinha de arroz ou farinha. para muitos destes meninos é a primeira refeição do dia e se calhar a única a que se pode dar realmente esse nome.   
Desde que cheguei tenho trabalhado na planificação das actividades, seguindo as orientações para este nível de ensino. É um trabalho que me dá imenso prazer, porque gosto especialmente de trabalhar com e para os mais pequenos mas também porque conto com a colaboração dos monitores, que são muito motivados e aderem sempre muito bem às propostas que se vai fazendo.

E porque uma imagem vale por mil palavras... 


Apresento-vos os nossos meninos!


 

A nossa sala e o quadro novo que a Helpo nos deu



Criámos um Cantinho da Leitura

Agora só falta criar o Cantinho das Brincadeiras. Aguardamos a chegada de outra esteira para podermos sentar-nos com os meninos e ensinar-lhes a jogar dominó ou a fazer puzzles. Coisas que parecem muito simples e óbvias mas que para estas crianças são completamente desconhecidas. Há dias ensinei ao Elísio, o monitor, como se jogava dominó. Parecia uma criança, de tão entusiasmado que ficou.


Hora da papinhaaaaaaaaaaa!


















Vamos aprender a andar de bicicleta?














Fomos ver avião!


















Esta foto foi tirada no domingo, no passeio que fizemos até ao aeroporto de Nampula. Momento alto da semana!


Não é a imagem que está ao contrário...

terça-feira, 13 de julho de 2010

No Marrere

Penso que para a maioria já não será novidade, mas já não estou a viver na cidade. Estou na Missão do Marrere, nos arredores de Nampula, e por aqui vou ficar durante os próximos tempos. :)
A missão integra uma escolinha, a escola da 1.ª à 12.ª classe, uma escola profissional, um internato para rapazes, um internato para raparigas, uma biblioteca, a residência do pároco, a dos médicos voluntários italianos e a de um casal de cooperantes belgas, para além de todas as casas da comunidade local.
Mesmo ao lado da missão, encontra-se um hospital, o Hospital do Marrere, onde colaboram os médicos voluntários e a Eugénia, enfermeira voluntária portuguesa, que tem vindo a desenvolver um programa de apoio nutricional às crianças desnutridas da região. É pela voz da Eugénia que vou conhecendo as (muitas) histórias dramáticas de crianças a quem falta de tudo um pouco... histórias de negligência, fruto da ignorância ou da simples falta de interesse, orfãos de sida, muitos deles seropositivos... um verdadeiro flagelo que vai dizimando silenciosamente a população, que se recusa a reconhecer o problema...
Quanto ao que eu faço aqui na missão: neste momento, estou a dar apoio na escolinha, onde faço actividades com os mais pequeninos, e na biblioteca. Também estou a dar apoio a alunos com dificuldades de estudo. Hoje, por exemplo, estive a rever os meus conhecimentos sobre lírica, figuras de estilo e contagem de sílabas métricas para ajudar uma das alunas da escola. :) Estamos em semana de provas, os alunos andam todos numa azáfama. Para a semana é a última semana de aulas antes das férias do fim do trimestre.
E pronto, por hoje é tudo. :)
Beijinhos e abraços!

E a minha companheira de quarto...

... a Francisca. :) Muito sossegadita, não incomoda ninguém, e ainda dá conta dos insectos.


O meu quartinho

desarrumadinho... :)

A minha primeira capulana...

... do Campeonato Mundial de Futebol! Eu sei, o campeonato já acabou, mas ainda assim decidi partilhar este momento de iniciação. Maningue de nice, não? ;)



sexta-feira, 2 de julho de 2010

Está tudo cá...

... até a "Beneton" já está em Nampula.

domingo, 27 de junho de 2010

Só para ti...

Gosto de te ver entrar
porta adentro,
olhar profundo, sol nos lábios
braços sedentos que me enlaçam, força terna.
Gosto de te sentir,
pilar de meu corpo,
suporte da minha alma.
Gosto do teu cheiro nas minhas mãos,
das tuas gotas no meu espelho,
do teu toque de arrepio e fogo.
Gosto de acordar a teu lado,
manhãs aroma a café, música no ar e em tudo o que tocas.
Gosto de te ler,
de te ver, de te sentir
Gosto de observar o céu a teu lado,
sem chão, sem tempo, sem orientação
só tu e eu.
Gosto de ti.
Pode parecer tão pouco,
e é tanto...

O que tu queres sei eu...

Esta semana tive o meu momento com as autoridades locais. Seguia a caminho do Paço, depois do almoço, e eis que um polícia me berra, do meio da multidão, de uma forma, vá lá, pouco simpática, “Você aí, mostrar documentos!”.
Atónita, respondi-lhe que não tinha documentos, o que era verdade (lá está, por casa dos roubos) e ele ordena-me, muito autoritariamente, que abra imediatamente a carteira. Não sei como, mas mantive a minha calma, não abri bolsa nenhuma, apenas expliquei que trabalhava para o diocese, mesmo ali ao lado. Que podia vir comigo até lá, se quisesse, que lhe explicariam quem sou…
Mudou o tom da conversa. Pergunta todo simpatia: “… E se eu fosse assim em Portugal, como era?”. Era uma festa, respondi-lhe, claro está. Deixou-me seguir, com a promessa de que no dia seguinte lhe traria “os documentos”. Nunca mais o vi. Acho que fiz um amigo.

O primeiro post

Já lá vão quase três semanas desde que aqui cheguei. Como o prometido é devido, aqui estou a dar notícias de Nampula e tentando partilhar, na medida do possível, esta experiência.
Vou começar por partes. :)

A vida aqui
Cá em casa, para além de mim e de outra voluntária que já cá está há alguns meses, vivem duas irmãs madeirenses, que já estão há muitos anos em Moçambique, e uma irmã moçambicana. Mesmo ao lado da casa e sob a direcção das irmãs, funcionam a Escolinha, frequentada por aproximadamente 100 meninos dos 3 aos 5 anos de idade, e a Escola, que vai da 1.ª até à 6.ª classe. Os meninos que aqui andam são do bairro mas também das redondezas, a procura é muita. E ambas as escolas funcionam de forma exemplar, ao nível do que se vai fazendo em Portugal.
A escolinha que eu tenho estado a apoiar está longe,muito longe, desta realidade. Resta a boa vontade das monitoras e da direcção para tentar mudar um pouco este cenário. A verdade é que tanto adultos como crianças são muito receptivos às propostas que se lhes faz, tudo é bem vindo.
Estamos em pleno Inverno, o dia começa de madrugada porque anoitece muito cedo – às 17h00 já está a anoitecer. À noite, salvo raras excepções, não saímos de casa, não é seguro. A verdade é que também não haveria para onde ir. Não há cinema, não há uma esplanada... Durante o dia também convém andar muito atento, os roubos de telemóveis (e o que mais calhar) são prato do dia. Rouba-se de tudo, basta estar a jeito. Há dias íamos com uma das irmãs no carro e ao parar num semáforo, uns miudos já se estavam a preparar para arrancar os piscas... :)
Mas, em geral, as pessoas são muito doces, acolhedoras, sempre com um sorriso para dar. E as crianças, muito dóceis e meigas, sempre à espreita de um miminho ou um simples sorriso de passagem.
A maioria dos habitantes de Nampula são de etnia macua, alguns macondes. Muitos são muçulmanos, a maioria mesmo, os cristãos são uma minoria, mas a convivência entre todos é pacífica.
Portugueses, também há alguns mas não tantos quanto se poderia julgar à partida. Ontem jantei com um casal luso-holandês, a Madalena e o Hugo, que trabalham aqui na cidade. Lasanha com massa fresca caseira, um luxo por estas bandas. A Madalena é oncologista no hospital de Nampula e, descobrimos nós, sobrinha da minha professora de Matemática do 5.º e 6.º ano, Laura Dias, que dava aulas no antigo licéu de Leiria – o mundo às vezes é tão pequeno. O Hugo é consultor numa empresa dinamarquesa e trabalha com os munícipios da região norte. Têm dois filhos pequeninos, o Nick, de 2 anos e a Sofia, com 8 meses. Já cá estão há alguns anos e penso que assim tencionam continuar.

Alimentação
Perguntam-me muitas vezes se me estou a alimentar bem e o que se come por aqui. Coelho, galinha, pato, salsichas, atum e pescada, acompanhados de arroz, chuchu, batata, cenoura, salada de alface, tomate, etc. Tudo muito nutritivo e saudável, preparado pela Irmã Mercês, cozinheira com grandes dotes culinários. É também ela que garante o nosso aporte diário de vitaminas, com umas saladas de fruta fantásticas de papaia e laranja, fruta da época.
Ao contrário do que esperava, o pão de cá é muito parecido com o nosso pão (tipo pão da avô), o que para mim, que adoro pão, é muito bom. Compra-se no bairro. Às vezes, traz brindes, tipo formigas, areia ou pedrinhas… Há quem se dê ao trabalho de abrir e examinar cada pedaço antes de comer. Eu não tenho paciência, sou uma sofrega. :)

Segurança
Para quem está aí, tudo é uma preocupação, mas a verdade é que não há motivo para tanto. Há realmente roubos, especialmente de telemóveis, mas seguindo algumas regras básicas, como não atender o telemóvel na rua, andar com a mala a tiracolo presa, não sair por aí à noite e, muito menos, sozinha, o risco é controlado. O que me custa mais é não poder andar com o meu ipod nas caminhadas diárias que vou fazendo, mas entre caminhar sem ouvir música ou deixar simplesmente de ter música, acho que a opção é óbvia,
Por razões de segurança, mas não só, ainda não comecei com as corridas. A verdade é que não há muito por onde correr, pelo menos na zona onde estou.

Doenças
Outro tema incontornável. ;) Para além de umas inestéticas alergias a não se sabe muito bem a quê, que me fazem inchar desmesuradamente os lábios (é sexy, eu sei) e os olhos, nada mais há a registar. Continuo a fazer a profilaxia da malária, ando sempre de calças e camisolas de manguinha comprida à noite, durmo com a rede mosquiteira, e mesmo assim não escapo a algumas picadas. Tenho que dar graças, porque até agora tem corrido bem. Nada de malárias.

Monte Nairuco
Ainda não tive a oportunidade de passear muito pela região, mas há dias fomos a Monte Nairuco, nos arredores da cidade, onde vive um casal de portugueses. A paisagem ao longo da estrada é fantástica, imensa vegetação, muitas palmeiras, mangueiras, cajueiros, várias cabanas de colmo à face da estrada. Há sempre muita gente que circula na beira da estrada a pé, muitas mamãs com os filhos às costas e tudo o que mais for preciso à cabeça ou nas mãos. Percorrem quilómetros para ir buscar água, comprar arroz, carvão... Vidas duras, mas ainda assim levam sempre um sorriso no rosto.
Tirei algumas fotos de Monte Nairuco com o telemóvel, não levava máquina comigo. Já dá para ficarem com uma ideia, embora nenhuma fotografia consiga transmitir a grandiosidade do que se vê por aqui ...